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Jornada Antirracista promove debates e ações culturais

Vasta programação com mesas de debates, lançamentos de livros, apresentações e feira culturais, além de homenagens marcaram a programação do evento na Ales

Debates sobre temas como “Educação e equidade racial”, “Violência, extermínio e segurança pública”, “Povos tradicionais, povo de terreiro e racismo no Espírito Santo”, além de lançamentos de livros, manifestações culturais e feira de produtos afro fizeram parte da 1ª Jornada Antirracista da Assembleia Legislativa (Ales), realizada ao longo de toda esta sexta-feira (24).

A deputada Camila Valadão (Psol) destacou a importância da ocupação do Legislativo capixaba por pessoas negras. “Esse é um evento construído pela Comissão de defesa dos Direitos Humanos em diálogo com as entidades negras capixabas, com a Unidade Negra, que reúne todas essas entidades, na perspectiva de fazer o que a gente está chamando de ‘empretecimento’ da Assembleia”, afirmou a presidente do colegiado.

“Ou seja, a gente está transformando esse dia de hoje em um dia de debates, reflexões, destinado a pensar a vida do povo negro e as contribuições desse povo do nosso estado, a partir de mesas de debates. (…) É um dia destinado para gente construir reflexões e pensar a partir de todo esse debate que vai ser produzido aqui hoje. Como que a Assembleia consegue gerar e produzir políticas públicas para garantir equidade racial no Espírito Santo e no Brasil”, complementou.

Políticas públicas

A deputada também falou sobre o desafio de fazer com que as políticas públicas alterem, de fato, a realidade da população negra. “Eu acho que as políticas públicas precisam considerar isso. A gente tem dificuldades de acesso no âmbito da saúde, da educação, na área cultural ainda, com a produção do povo negro não sendo valorizada. É preciso pensar ações afirmativas e ampliar essas ações”, comentou.

“É só a partir da articulação desse conjunto de iniciativas que a gente consegue de fato reverter os dados de desigualdade do povo negro, e olha, são muitos dados nas diferentes áreas. De fato, o racismo é determinante entre quem vive e quem morre, entre quem acessa direitos ou não em nosso país”, lamentou Camila.

Conquistas

A vice-presidente da comissão, deputada Iriny Lopes (PT), também falou na abertura do evento e citou as conquistas já alcançadas e sobre a importância de avançar na luta por direitos. “Toda conquista tem que ser comemorada porque ela não cai do céu, de graça, ela é fruto do nosso trabalho. Por isso temos que refazer a nossa estratégia de luta pela igualdade, pela equidade e pelo reconhecimento da luta do povo negro, que construiu, sustentou e sustenta esse país”, disse a petista.

Educação e equidade racial

A primeira mesa de debate do evento abordou o tema “Educação e equidade racial”. Docente da rede estadual de ensino, a professora Ana Paula Rocha citou a Lei Federal 10.639/2023, sancionada em janeiro pelo presidente Lula (PT), que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.

“No Brasil a gente tem uma resistência negra, indígena e popular, que inclusive nos permitiu resistir até aqui e a conquistar a Lei 10.639. Quando a gente vê essa ocupação negra da Assembleia Legislativa hoje, isso também não é um fato isolado. (…) É importante dizer que para o movimento negro, aprendendo desde a resistência nos porões dos navios negreiros, nas experiências de quilombo, de terreiro, dos vários espaços de organização do povo negro, a educação sempre foi uma prioridade”, ressaltou a professora.

“A educação é estratégica pra gente superar as condições que são impostas por essa estrutura racista. No pós-abolição, se sobrou pro povo negro cadeia, favela e hospício, o movimento negro sempre pleiteou o direito à educação, seja através da Frente Negra brasileira, seja através das associações de empregadas domésticas, que foi uma das primeiras experiências de organização da classe trabalhadora no Brasil. Sempre teve essa preocupação em acessar a educação e que essa educação nos desse condições de superar o racismo”, completou.

Educação quilombola

A coordenadora da educação escolar da Comissão Quilombola do Território de Sapê do Norte, no município de São Mateus, Olindina Serafim Nascimento, falou sobre a importância de respeitar a cultura ensinada pelos ancestrais. “Os meus pais, os meus avós, os meus antepassados, elaboraram a educação que vem de casa. E é essa educação que vem de casa que nós, nas comunidades, fazemos enfrentamento para que também esteja na escola”, defendeu.

O território de Sapê do Norte conta com 32 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares e a professora luta para que as mais de 100 comunidades quilombolas do estado sejam certificadas para conseguirem acesso a políticas públicas.

“Elas já podem ter o aporte das políticas públicas e do bem comum. Porque a educação é uma política pública, é também um bem comum. Quando eu venho aqui dizer pra vocês que a educação escolar quilombola é uma luta nossa, é um enfrentamento nosso, para que as nossas crianças, onde elas forem, encontrem esse mundo de liberdade idealizado pelos nossos ancestrais”, afirmou.

Cotas

A deputada Camila Valadão falou sobre a política de cotas raciais nas universidades e lembrou que esse é um direito importante conquistado para a população negra do país. “Eu sou totalmente defensora das cotas, defendi inclusive lá atrás, quando ela [a política] foi implementada, na época eu era estudante e sigo convencida da necessidade”, posicionou-se a parlamentar.

“Porque falar de ações afirmativas é exatamente a gente reconhecer que, embora do ponto de vista formal nós tenhamos igualdade, do ponto de vista real, essa desigualdade ainda não foi ainda totalmente compartilhada entre brancos e negros. As políticas de ações afirmativas são o reconhecimento formal de que as desigualdades existem e que é preciso medidas de distinção, mesmo, para garantir, quem sabe no futuro, uma igualdade”, pontuou Camila.

Violência

De acordo com dados do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), o Espírito Santo registrou um aumento de 40% nas mortes de pessoas negras em confrontos com a polícia em 2022, quando comparado com o ano anterior. Os dados foram apresentados pela professora do departamento de psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Luizane Guedes Mateus, que participou da mesa de debate sobre “Violência, extermínio e segurança pública”.

“Acredito que a gente tem que pensar, por exemplo, em um novo modelo de medida socioeducativa, em um atendimento específico a familiares de vítimas de violência nos territórios majoritariamente pobres e negros, em um novo modelo de proteção social básica para a infância e para a juventude capixaba. A gente tem um modelo defasado, que está extremamente aquém daquilo que a gente precisa”, disse a professora.

O secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, também abordou o tema, focando na necessidade de uma nova estratégia para a segurança pública. “É muito importante que a gente pense juntos sobre formas de entregar à população uma segurança pública do futuro, uma polícia do futuro, que atue de forma segura tanto para o policial, como para os destinatários finais do serviço de segurança pública”, opinou.

“Esse é um desafio grande e nós, do Ministério da Justiça, temos nos empenhado em apoiar os Estados, em construir políticas públicas que ajudem nesse sentido. Uma das políticas que chama muito a atenção, em razão dos resultados efetivos que vem demonstrando nessa linha, é a política da adoção de câmeras no fardamento. Uma política que onde foi adotada demonstrou resultados muito positivos tanto para a proteção dos policiais, como para a proteção da população”, complementou.

Para o secretário, a atual política de segurança tem falhado para proteger não só o cidadão negro, mas os próprios agentes policias negros, que são as principais vítimas dentro das polícias. “A maioria das pessoas mortas em operações policiais são negras, assim como a maioria dos policiais mortos em operações também são negros. Esse é um problema muito grave, o nosso povo está morrendo tanto ostentando a farda para defender o Estado, como também durante as operações policiais”, lamentou.

“Por isso que é muito importante mudar o parâmetro, muito importante que as operações policiais sejam pautadas muito mais por operações de inteligência do que pela violência. Que sejam pautadas muito mais pela proteção da vida do que com outros objetivos. A violência só gera mais violência. Nos estados em que a gente tem as polícias mais violentas é onde a gente tem mais policiais mortos. Então essa violência acaba se voltando contra o próprio agente do Estado”, finalizou.

Racismo religioso e ambiental

Representantes de religiões de matriz africana participaram da mesa com o tema “Caminho para o enfrentamento ao racismo religioso no Espírito Santo”. Os palestrantes destacaram as perseguições e restrições aos ritos religiosos de matriz africana. Pai Alexandre Ti Oxalá Efon relatou as dificuldades em Ponta da Fruta, Vila Velha, para exercer com liberdade o candomblé. “A galinha da macumba incomoda. Somos discriminados, somos perseguidos o tempo inteiro. Não temos problema com a religião de ninguém. Para os colonizadores, os negros não tinham alma”, ilustrou pai Alexandre.

As relações raciais e o meio ambiente também repercutiram na jornada. Na mesa “Yayá Luzia: Racismo ambiental e o impacto na vida das mulheres quilombolas” a questão foi abordada relacionando os racismos estrutural, institucional e ambiental. Este último é provocado pelos interesses econômicos por causa das terras para o plantio da monocultura, como a do eucalipto, por exemplo, além da extração do petróleo. No estado, uma situação apontada foi a exploração do sal-gema, na região de Aracruz.

Uma das palestrantes, Flávia Santos disse que para o convencimento do povo quilombola da necessidade de seu deslocamento, estaria sendo realizado o que chamou de “conscientização sobre o sal-gema”. Ela disse que os povos tradicionais não escolheram aquelas terras para viver, entretanto, hoje, há um pertencimento, enraizamento e ancestralidade na terra “que está debaixo de nossos pés”, lembrou.

Programação cultural

Música, exposição, feira afro, cinema marcaram a programação cultural da Jornada, que foi aberta com a apresentação da cantora Monique Rocha. No pilotis da Assembleia, foram montados a “Feira Preta”, com produtos relacionados à temática afro – como bijouterias, roupas e acessórios – e uma exposição de material fotográfico e artes plásticas.

Durante a Jornada também foram lançados livros sobre a temática racial: A História de Vida do Frei David Santos e a Atuação da Educafro pela Desinvisibilização do Povo Negro, de Chrysty Britto Sarnaglia; e A Construção Histórica do Racismo e a Luta Antirracista, de Luciene Carla Francelino.

DA REDAÇÃO \\ Gut Gutemberg)

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